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Justiça: uma realidade ou uma ilusão?
Bruxa Cientista – Edição #011
Dois dias depois do eclipse lunar em Libra, signo representado por uma balança, a justiça bate na minha porta. Fui convocada para servir como júri em um crime essa semana. Li e reli a carta várias vezes. Uma coisa é curtir seriados criminais e de julgamento. Outra, muito diferente, é fazer parte de um júri.
Não é fácil decidir o futuro da vida de alguém!
Somos todos inocentes até que se prove o contrário
Sempre que faço aqueles testes sobre forças de caráter ou valores, justiça aparece no topo da minha lista. Fui aquela criança que chorava e questionava porque as guerras aconteciam, porque pessoas moravam nas ruas e por aí vai.
Quando pensamos em justiça muitas vezes lembramos da estátua de uma mulher vendada, segurando uma balança nas mãos. Ela nos lembra conceitos como:
A justiça é cega.
Todos são iguais perante a lei.
Todos são inocentes até que se prove o contrário.
In dubio pro reo, em latim, está associado ao princípio essencial da inocência. Na falta de provas, favorece-se o réu.
Apesar do incômodo de ter que cancelar minha agenda, não saber quantos dias o julgamento levaria e tudo o mais, achei que seria interessante ver a justiça funcionando ao vivo.
Não foi. Saí destruída energética e emocionalmente depois de cinco dias de tribunal. Chorei por muitas horas, convulsivamente, abraçando meu marido depois que o julgamento acabou. Não posso falar sobre isso com ele nem com ninguém.
Mas posso te fazer uma pergunta.
O que te parece mais justo: um culpado ser inocentado ou um inocente ser preso?
Vivemos em uma sociedade agressiva
Toda sociedade é um espelho de quem somos. Se nossa sociedade hoje é violenta e doente, é porque nós somos violentos e doentes.
Estamos inseridos em um sistema onde tudo está rápido, para ontem. É informação demais. De todos os lados. Nem sempre todas verdadeiras.
Além disso, todos viramos donos da verdade. Vide o tribunal da internet e os cancelamentos.
Quem me segue faz tempo deve lembrar de quando quase fui cancelada porque minha designer usou a foto de uma influencer em um post.
Meu direct foi inundado com mais de 100 mensagens me xingando. Pessoas que não me conheciam, nunca falaram comigo, me dizendo coisas horríveis.
Em meia hora, a influencer que havia me marcado dizendo que usei impropriamente a imagem dela fez novos stories, pedindo que seus seguidores não fossem violentos comigo nem me agredissem, lembrando a todos que isso é um crime. Absurdo demais que pessoas precisem ser lembradas disso, não acha?
Parece que a tela do celular cria uma proteção imaginária e distorce a forma de nos relacionarmos.
Essa semana mesmo uma seguidora me perguntou se eu estava bem, pois nos stories eu parecia muito abatida, com olheiras, linhas de expressão e sem maquiagem.
Desacostumamos como as pessoas são sem os filtros. É louco demais isso.
Nessas horas eu sempre me pergunto: será que essas pessoas falam com outras pessoas no offline desse jeito? Será que elas teriam essa mesma agressividade (seja passiva ou ativa)?
Somos todos complicados
Não posso falar com ninguém, nem mesmo meu marido, sobre o crime nem detalhes do julgamento que participei. É ilegal. Mas eu posso falar sobre como ele me fez refletir sobre a natureza humana e a nossa sociedade.
O primeiro aprendizado desta semana foi a confirmação do que já percebo no dia a dia: somos seres muito complexos.
A cada dia de julgamento nossos comportamentos ficavam mais evidentes. Era difícil se esconder após cinco dias inteiros trancados com mais onze pessoas em uma sala pequena, apertada, sem janelas.
Algumas pessoas tomavam decisões bem precipitadas, antes de ouvir todas as evidências.
Outras pessoas, evitavam ao máximo dizer suas opiniões. Aguardavam todos falar e então concordavam com a maioria.
Outras pessoas, deduziam fatos de suas experiências e impressões e não das evidências apresentadas.
Também haviam pessoas que evitavam a todo custo decidir qualquer coisa, como se a isenção de um posicionamento não fosse uma resposta.
Eu passei mal no penúltimo dia. Sendo autista, esse extremo de convivência social e trancada me deixou as beiras de um shut down (quando minha energia acaba e eu simplesmente não funciono mais). Foi muito difícil.
O que mais me tocou, ou melhor, me revirou por dentro, foi ver preconceitos sendo usados como justificativas para as decisões tomadas.
Saí desse julgamento muito mexida e pensando que o mundo não tem mais jeito. Confesso que rolou uma sensação de falta de esperança na humanidade e isso é bem triste.
Se todo mundo pular da ponte você pula também?
Posso sentir o sangue subindo pelo meu corpo se eu fechar os olhos e eu lembrar da minha mãe dizendo: Se todo mundo pular da ponte você pula também?
Outra frase que me enlouquecia era: Mas você não é todo mundo. Que raiva!
Geralmente ouvia isso quando queria fazer algo com meus amigos, mas recebia um sonoro não da minha mãe.
Na psicologia aprendemos isso logo nos primeiros anos de estudo, em psicologia social. É quando se estuda conformidade, resistência e influência social.
Inclusive ano passado rolou na Netflix um filme sobre um experimento famoso sobre isso, do psicólogo Philip Zimbardo, que simulou uma cadeia dentro da universidade de Stanford. Ele dividiu os alunos em prisioneiros e guardas e foi surreal o que ocorreu durante o experimento.
Em pouco tempo, os estudantes que eram os guardas, começaram a ficar abusivos. Importante: eles não eram abusivos antes, pelo menos não que se saiba.
Outro psicólogo a estudar isso, foi Solomon Asch. Você pode ver um vídeo interessante, mostrando o estudo sobre conformidade aqui.
Somos seres sociais. Inconscientemente, queremos fazer parte. Queremos estar “conformes”.
O problema disso? Olha para o nosso presente e para o passado. Guerras acontecem porque ideias foram disseminadas como verdades absolutas e pessoas seguiram essas pessoas, líderes, ideias.
Alias isso casa bem com minhas reflexões sobre o problema das redes sociais e o circo que isso virou - mas já falamos disso em outras edições (aqui e aqui).
Você sustenta defender seus valores?
Os sistemas legais não são infalíveis.
Nossa socidade é punitiva, e não falo somente de crimes. Isso se aplica a métodos de ensino e educação parental. Sim, mudanças estão acontecendo, mas socialmente falando, ainda temos prazer em “achar o culpado”.
Você já deve ter visto algum filme ou notícia sobre um inocente que foi preso sem ser culpado. Para quem gosta do tema, recomendo conhecer a ONG The innocence project que atua mundialmente em casos deste tipo.
Dos casos que eles atuaram, 64% dos inocentes que haviam sido presos erroneamente são pessoas negras ou latinas. Triste demais essa estatística, mas não me surpreende já que é retrato do racismo estrutural do mundo que vivemos.
Considerando o que falei anteriormente sobre conformidade, te pergunto: até onde você iria para defender os seus valores?
Eu passei por isso essa semana. Fui pressionada demais a mudar meu voto.
Ouvi argumentos absurdos, racistas, preconceituosos, egoístas (até que se eu não mudasse de ideia ficaríamos todos isolados semanas por minha culpa).
Eu não abri mão dos meus valores. Se eu não agisse com integridade, eu não conseguiria mais dormir.
Somos imperfeitos
Integridade e valores são uma coisa interessante. Eles não implicam verdade absoluta.
Sou íntegra quando ajo se acordo com os meus valores. Isso quer dizer que meus valores são os certos? Absolutamente não. Pelo menos não para todos.
Somos todos imperfeitos. Obras não terminadas. Estamos em constante transformação.
Podemos e devemos tentar ouvir e conhecer outras perspectivas. Assim podemos adquirir novos entendimentos sobre nós mesmos.
Isso não foi o que rolou lá no julgamento a maior parte do tempo. Enquanto havia uma maioria, uma concordância, havia respeito. Quando havia uma ou mais excessões, houve muita pressão.
Honrar nossos valores mesmo quando somos pressionados, aumenta a nossa autoestima. Cada vez que nos respeitamos e nós mesmos atendemos os nossos valores, algo muda dentro da gente.
Essa semana foi um lembrete de como dói ser minoria. Mas apesar da dor, tem algo de bonito e de confortante, quando agimos alinhados com os nossos valores.
Saúde mental e autorespeito
Muitos fatores impactam a nossa saúde mental, desde a genética até o meio ambiente no qual vivemos. Um dos fatores mais importantes é nosso autocuidado.
Essa semana aprendi mais sobre o meu autismo e limites do meu funcionamento por ser uma pessoa neurodivergente.
Depois do julgamento, passei um dia inteiro sem contato social algum. Mal consegui ligar o celular. Me respeitei. Descansei. Chorei. Escrevi.
Para encerrar essa edição, quero te convidar a revisitar quais são os seus valores e se você consegue honrar-los no dia a dia.
Não tenha receio de defender o que você acredita ser justo.
Beijocas e nos “vemos” semana que vem, na próxima edição.
Fabi Ormerod
Favoritos da semana 🏆
Durante essa semana no julgamento li o livro Ciranda das Mulheres Sábias, da Clarissa Pinkolas Esté, autora do Mulheres que Correm com Lobos. É um livro fininho, mas não se engane, cada página dele é profunda. Me tocou muito por falar de mulheres e envelhecimento, de alguma forma.
Ficamos o tempo todo sem celular e podíamos sair poucos minutos por dia. Então essa semana a única indicação é a do livro acima.
Na real meus favoritos da semana foram os momentos ao ar livre, em silêncio.
Indicações de Newsletters incriveis
Alquimia da mente do meu mentor Henrique Carvalho
Laboratorio do Ser da minha amiga Dea Felicio. Minha melhor amiga de infancia que o digital me deu de presente.
Sobre a Newsletter Bruxa Cientista
Escrita por Fabi Ormerod compartilhando experiencias e perspectivas sobre mentalidade, mundo sutil e mundo concreto.
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