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Uma conversa sincera sobre momentos doloridos
Bruxa Cientista – Edição #003
Minha mente turvou, como se eu estivesse meio a um nevoeiro. Senti o chão sumir embaixo dos meus pés. As palavras se repetiam na minha cabeça: “Fabi, sua madrinha morreu essa noite”. Por uma fração de segundos, pensei: o Francis (meu marido) está aqui mesmo, falando comigo, ou estou tendo um pesadelo?
Abracei meu marido e comecei a chorar compulsivamente. Vou fazer 49 anos em fevereiro, mas ao longo da minha vida tive poucas experiências com a morte. Perdi minha avó materna perto dos 6 – 7 anos de idade. Depois aos 15 anos, um amigo do colégio morreu em um acidente com um jogador de futebol famoso, o Edmundo, do Fluminense. Alguém lembra disso? Foi meu amigo Fred que faleceu naquele acidente. Fora estes casos, tive alguns falecimentos próximos mas ninguém que eu amasse tanto como minha avó e minha dinda.
Lembro como se fosse hoje de quando minha avó partiu. Voltamos de viagem. Pedi para visitar-la, minha mãe disse que em alguns dias. Naquela noite, minha avó foi internada. Meus pais não me falaram nada, mas era bem grave. Mamãe passou o dia seguinte todo no hospital. Quando ela volta, estou muito feliz. Digo: a vovó veio me ver. Falou que ia viajar e que ia demorar muito para eu ver ela, mas que estava tudo bem. Minha mãe me fez várias perguntas. Como assim? Onde eu vi a vovó, o que ela falou? Segundo minha mãe eu descrevi detalhes da conversa. Minha mãe telefonou para o hospital assim que acabou de falar comigo. Minha vó tinha falecido uma hora antes, eles já estavam para telefonar e avisar, mas ela ligou antes.
Eu cresci ouvindo que tinha mediunidade, que era sensitiva. Já tive vários sonhos premonitórios. Sonhei com amigas grávidas e elas engravidaram. Aliás, até hoje se eu falo que sonhei com gravidez logo minhas amigas surtam e dizem: Não foi comigo, foi?! Nada disso me parecia estranho. Aceitei essa versão de que sou um alecrim dourado mediúnico integralmente. Isso me dava um certo senso de proteção. Vou explicar melhor com outro exemplo.
Quando me casei pela primeira vez, meu pai foi jantar lá em casa logo que voltamos da lua de mel. Minha mãe estava viajando. Quando meu ele foi embora, fomos dormir. De madrugada eu acordo assustada. Um aperto no peito. Chorando falo para meu ex marido: Rodrigo, meu pai está morrendo, eu preciso descobrir o que está acontecendo. Ele tenta me acalmar e diz que foi só um pesadelo e eu sigo insistindo: não! Eu estou sentindo ele me chamar, ele precisa de ajuda. Não levou nem cinco minutos e a campainha toca. Meu irmão do meio, desesperado, para nos avisar que o pai passou mal e foi dirigindo para o hospital. Parece que estou vendo o Daniel na minha frente me dizendo: Nana, papai foi internado, infartou, você precisa ir lá.
Meu pai está vivo e bem com seus recém completos 78 anos. Estou te contando isso, para que você entenda que eu, de alguma maneira, me achava “especial”. As pessoas que amo, iriam de alguma maneira, energética ou espiritualmente me avisar quando estivessem para partir. Minha madrinha partiu sem aviso. Nada. Não acordei de madrugada. Não tive nenhum pressentimento. Eu não conseguia acreditar naquelas palavras. Ela não podia ter ido embora sem me avisar. Egoísmo total, concordo. Infantilidade, egocentrismo, chame como preferir, meu castelo de areia tinha sido levado pela água. Justo eu, tão conectada com o mundo sutil, não pressenti nada.
Minha madrinha morreu dia 23 de Agosto. Além da dor da ausência dela, fui atingida em cheia pela culpa e raiva. Culpa porque uma semana antes eu havia enviado uma mensagem para ela, queria telefonar, mas vi que era tarde no Brasil, então eu deletei. Deixei para depois. Outra hora eu ligo. Meu último contato com ela foi esse: um zap que eu deletei.
A raiva veio por inúmeros motivos. Primeiro por ter sido avisada somente depois do enterro. Eu queria ter tido oportunidade de decidir se ia ao Brasil ou não. Me tiraram essa opção. Confesso que ainda estou digerindo isso. Segundo, pela forma como ela partiu. Foi tudo muito rápido e de certa maneira bobo. Ela bateu com o dedo no pé na quina da cama #quemnunca. Porém, ela era cadeirante e tinha uma perna amputada. Assim, sua circulação não era das melhores. Para não dar trabalho para ninguém, não comentou nada. Dias depois, meu primo mais novo que vivia com ela, foi colocar uma meia em seu pé e ficou apavorado: o dedo dela estava necrosado. Foram imediatamente ao hospital.
Você já consegue imaginar o desfecho? A única perna que ela tinha foi amputada. Mas como ela demorou a ir ao hospital, alguns coágulos já haviam se espalhado. Ela teve embolias e uma infecção generalizada. Ela entrou em coma e morreu em menos de 72 horas por múltiplas falências de órgãos. Que raiva! Como ela podia partir por algo tão insignificante como uma topada no dedão?
Não vou nem entrar na questão dela ter partido porque não quis incomodar ninguém, dar trabalho para os filhos que cuidavam dela. Isso dá margem a uma newsletter inteira.
De junho para cá tenho lidado com várias mortes. Físicas e psicológicas. Sutis e concretas. No final de junho a colega de mestrado com quem dividi escritório por 2 anos partiu. Ela tirou sua própria vida. Senti muita raiva e impotência. Agora em agosto, minha madrinha. A realidade é que estou cansada de tanta morte. São muitos ciclos sendo encerrados. E é uma sensação ruim ver de forma tão concreta aquilo que todos nós sabemos: que não controlamos nada.
É engraçado quando alguém que não me conhece na intimidade diz que admira a minha força. Que eu sou arrojada, corajosa, que faço isso, faço aquilo. Eu penso: “ahhhh se ela soubesse!”. Eu, como muitas outras mulheres, ainda luto com as minhas inseguranças. E o controle nada mais é do que uma forma do ego se proteger. Sentir-se importante. Minimizar as falhas, as chances de “dar errado”. Tudo ego!
O luto tem me ajudado com isso. Tenho começado a desconstruir alguns mecanismos de defesa que antes não percebia. Outro mecanismo defesa comum em mim e em muita gente que conheço, é o conhecimento. Mergulhamos em livros, estudos, cursos, diplomas e assim sabemos mais. Sabendo mais, entendemos mais. E nos iludimos de que esse entender vai garantir controle ou segurança interna. A real? Não vai. A gente não controla p%ˆ*@ nenhuma.
Em maio desse ano li um livro que me tocou muito, chamado O jardineiro que tinha fé, da Clarissa Está Pinkolas (aquela mesma, do Mulheres que Correm com os Lobos). Ele conta uma fábula sobre “o que não pode morrer nunca”. Vou dividir contigo um dos meus trechos favoritos:
“Podem empurrá-lo para baixo. Podem impedi-lo de se levantar. Mas ninguém pode impedi-lo de elevar seu coração aos céus — só você. É no meio da aflição que tantas coisas ficam claras. Quem diz que nada de bom resultou disso, ainda não está escutando”.
Vamos combinar que na hora que estamos sofrendo, ouvir sobre aprendizados dá vontade de esfregar a cara da pessoa no muro chapiscado (ou sou só eu? 😂)
Eu estou nesse processo: escutando o que de bom resulta dessas perdas todas, mas ainda com uma certa resistência. Eu sei que tem vários aprendizados, mas as feridas ainda estão abertas sabe? Sou muito apressada com meus processos. Quero que a dor passe, que a ferida feche. Quero me distrair com o novo projeto. O novo curso. A nova estratégia. Mas dessa vez, com apoio da minha psicóloga, estou me permitindo dar tempo. Estou aprendendo a não jogar a semente e ficar lá olhando todo santo dia para ver se já está brotando.
Mas esse não está sendo o único aprendizado desse processo de luto. Meio a tudo isso, conheci uma médica sensacional. A Dra Ana Claudia Quintana, autora do livro; A morte é um dia que vale a pena viver. Ainda não terminei a leitura, mas posso te dizer que ela me apresentou um outro olhar sobre esse momento. Acho que deveria ser leitura obrigatória para quem busca autoconhecimento. Inclusive tem um capítulo que fala sobre as nossas mortes diárias. Essas que todos temos no dia a dia mesmo, finais de relacionamentos, mudanças de projetos, coisas do cotidiano. Olhar para essas perdas de uma outra maneira deixa a nossa vida mais leve. Te convido a conhecer o trabalho dela e se permitir mudar de perspectiva.
Outro aprendizado pode soar piegas, mas vou dividir contigo mesmo assim: não deixe seus afetos para depois. Desde que minha madrinha partiu, tenho diariamente expressado meu amor e gratidão pelas pessoas. Não precisa ficar igual aquela tia chata do zap que manda mensagem de bom dia e boa noite rsrsrs. Mas comece a expressar mais o que você sente. Seja raiva, alegria, medo, tristeza, nojo. É normal sentir viu? Não caia nessa viagem que é a positividade tóxica online de achar que precisa estar feliz o tempo todo. Isso é dar tiro no seu pé. Ou então é mania, distúrbio psiquiátrico.
Pois é, virei a pessoa que manda mensagem agradecendo estar naquele grupo de mentoria. Digo que amo meus pais, irmãos, marido e filho, diariamente. Estou criando o hábito de pelo menos uma vez por semana falar com alguém que é importante e que estava mais afastada. Amigos de infância, adolescência…mando um whats e digo: estou com saudades de você. Não podemos ficar sem nos falarmos tanto tempo. E está sendo ótimo! 😍
Isso tem preenchido o meu “potinho do amor”, como minha psicóloga diz. Na minha experiência como astróloga e mentora, vejo que a gente se importa demais com as estratégias de negócio, com o algoritmo do instagram e nossas metas mais concretas. Isso não está errado. Mas não podemos esquecer que essa viagem, chamada vida, acaba. E não tem aviso! Pode acabar hoje, amanhã, semana que vem. Não quero te deprimir, mas te pedir para não deixar para depois, combinado?
E se você está passando por um luto como eu, deixa eu te contar uma coisa para te aliviar aí também: tá tudo bem você ter raiva e querer esganar quem diz para você “ah, mas pelo menos ela descansou”. Essa pessoa acha que está te ajudando, mas não sabe que não está. Aprendi essa com a Dra Ana também. Não sabe o que dizer nessas horas? Não fale nada! Só que sente muito. Falar que a pessoa descansou, que agora ela está em paz, ou coisas similares, invalida a nossa dor!
Outra erro que cometemos é deixar a pessoa sozinha para “viver o luto”. Eu sei, você está querendo respeitar o momento. Gente, isso é horrível! Porque a solidão e tristeza aumentam muito nessas horas. Nós precisamos sim, de quem incomode e diga: olha, to aqui, quer tomar um café? Precisa de alguma coisa? Mas na nossa sociedade aprendemos que devemos respeitar o luto do outro. Como se a dor da perda fosse algo que passa em alguns dias.
Não passa, gente. Luto vem como ondas. Vai e volta. Parece um mar tranquilo e de repente vira um tsunami. Somos invadidos pela saudade, pela dor, pela tristeza, pela raiva. E tá tudo bem, faz parte. A real é que nosso luto é dificultado porque não aprendemos a falar sobre a morte. Precisamos de mais espaço nessa sociedade que anda tão superficial e cheia de filtros, para a realidade, para sermos pessoas de carne e osso, seres que sofrem sim!
Sabe o que mais precisamos? Amor. Afeto. Presença. Deixe que a pessoa enlutada decida. E se ela te disser: preciso ficar sozinha, ok. Mas não suma, não assuma que isso é o melhor para ela, combinado? #obrigada.
Além dos meus receios e dificuldades em abordar meu luto aqui, também notei a minha dificuldade em falar sobre o meu processo de envelhecimento. As duas coisas estão associadas, claro. Se não morremos, envelhecemos. E quanto mais envelhecemos, mais próximos ficamos da nossa partida. Não dá para fugir.
Além de tudo que te contei, tem outra morte interna rolando por aqui: em maio confirmei que estou entrando no climatério. Essa fase também é chamada de pré-menopausa. Não é drama, é biologia: a menopausa é o contrário da fertilidade. E não está sendo fácil. Ainda mais tendo um negócio digital onde o que mais vejo são mulheres jovens, filtros, IA. Eu me sinto frágil escrevendo sobre isso aqui. Parece que estou nua. Vulnerável. Mas falo disso em uma próxima edição #prometo!
Para encerrar essa edição, quero dividir contigo algumas das minhas bruxarias. São dois rituais simples que tem me ajudado a lidar com o luto e que podem te ajudar a lidar com suas perdas (mesmo que não sejam mortes físicas). O primeiro ritual é escrever uma carta. Seja para quem partiu ou para o projeto que foi cancelado, é essencial colocar para fora o que estamos sentindo. Escreva sem nenhum julgamento. Tenho certeza de que você vai sentir um alívio depois. Mas não basta isso. Depois queime essa carta, visualizando uma despedida.
O outro ritual é energético. Prepare um banho com sal grosso (meia xícara mais ou menos), alecrim e hortelã. Não precisa ser nenhuma erva especial, pode ser daquele pé de ervas que tem na janela da sua cozinha mesmo #alguemmais? Tire alguns ramos (não tem número exato, faça o que você sentir que tem que fazer). Junte tudo em uma panela com água, ferva, tampe e deixe ficar em uma temperatura agradável.
Depois você tem duas opções: completar com mais água quente em um balde e fazer um escalda pés ou no banho, jogar ombros abaixo. Independente da forma escolhida, se visualize na situação de perda e se imagine em uma despedida completa daquela pessoa ou situação. Se você não curte essas bruxarias e acha loucura, faça mesmo assim, pelo menos vai ficar com os pés ou o corpo cheiroso das ervas!
Nos vemos semana que vem, no mesmo dia e horário, para a próxima edição.
🏆 Favoritos da semana
Leitura: Hoje quero recomendas as newsletters de alguns amigos.
O Léo escreve como se estivesse em uma mesa de bar, é muito gostoso de ler as reflexões e insights que ele partilha. Você pode se inscrever aqui. A outra newsletter que vou te indicar hoje, é do querido Lucas. Fizemos mentorias juntos e ele é um copywritter de mãos cheias, escrevendo para empresas que são referência no mercado. Além disso, as histórias que ele divide são sempre interessantes. Para ler a news do Lucas, clica nesse link.
Documentário: Neste final de semana eu e o Francis (meu digníssimo), devoramos o docsérie sobre longevidade, Live to 100, na Netflix. Bem interessante, ainda mais para quem gosta de conteúdos sobre saúde.
Música: No sábado fomos ao show do Nando Reis. Essa é das antigas mas eu adoro. Minha música favorita do show foi essa #cuidabemdemim.
Na próxima edição 04/100
Vou te contar uma coisa: meu processo de escrita é muito intuitivo. Eu estava seguindo um formato e antecipando o que vou falar na edição seguinte, mas a real é que essa não sou eu. Não escrevo assim. Não sei o que vai rolar na próxima edição. Vamos ver o que minha intuição traz!
Se você está curtindo essa newsletter, me conta o que você está achando? Seu feedback é muito importante para mim. Aproveito para agradecer quem enviou direct no Instagram falando sobre a newsletter, adorei! (Pode enviar mais hahahaha).
Beijocas,
Fabi Ormerod
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