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Ainda é cedo
Apelidos, autoconfiança e empreendedorismo.
Ainda é cedo
Bruxa Cientista – Edição #001
“Não sou uma, sou trezentos e sessenta e cinco indo de corpo e alma em tudo que eu faço.” Meu coração disparou. Era isso. Eu não era “uma só”. Eu era muitas.
Super poder ou um transtorno mental?
Não lembro o dia da semana. Era fevereiro de 1989. Meu aniversário de 14 anos seria em alguns dias. Eu estava confusa, como a maioria dos adolescentes da minha idade.
Eu era uma adolescente nada típica. Envergonhada, havia dado meu primeiro beijo meses atrás e detestado. Levantei após o beijo e fui ao banheiro lavar a minha boca. Eu não era popular. Meu refúgio eram os livros, a escrita e minhas fitas cassetes.
No walkman da Sony, escutava no volume máximo a música: “Ainda é cedo” do Legião Urbana. Renato Russo cantava: “Ela também estava perdida. E por isso se agarrava a mim também. E eu me agarrava a ela. Que eu não tinha mais ninguém.”
A minha vontade era de gritar cada frase daquela canção. Mas eu já era esquisita demais para ser vista gritando no meio da Praça Saenz Peña, o “point” dos adolescentes na época. Eu não queria ser mais estranha do que já era.
Quando eu vi aquela capa de agenda, na loja da Corpo & Alma: "Não sou uma, sou trezentos e sessenta e cinco indo de corpo e alma em tudo que eu faço", congelei. Parecia que ela estava falando comigo. "E se eu tenho múltiplas personalidades?"
Eu já tinha visto na televisão reportagens sobre pessoas com múltiplas personalidades, ninguém sabia bem explicar o fenômeno. Como o personagem de Edward Norton no clássico do cinema Clube da Luta.
Na minha visão distorcida de adolescente incompreendida, essa poderia ser a explicação da minha estranheza. Mas ser excêntrica é diferente de ter uma doença psiquiátrica.
Para minha família eu era somente uma adolescente tímida e introvertida. Quando me sentia a vontade, tagarelava sobre os temas que me interessavam. Podia falar uma hora sobre selos, mitologia, astrologia. Ok, podemos concordar que eu era um pouco fora da curva.
Eu sou muito nerd. Aos sete anos participava de feiras de filatelia e sabia discursar sobre selos clássicos no Brasil como o famoso Olho de Boi. Por volta dos nove já sabia narrar a maioria dos mitos gregos e aos quinze já era astróloga profissional. Sim, aos quinze anos eu já fazia leituras astrológicas remuneradas.
Aos quatorze anos eu não sabia que minha nerdice era meu super-poder. Eu só queria ser como as meninas do colégio. Eu queria ter um namorado e dançar minha valsa de quinze anos com um cadete da força aérea.
Ninguém sabia que secretamente, eu acreditava ser de outro planeta e que um dia, seres extraterrestres, viriam me resgatar.
Tudo mudou naquele dia por causa daquela capa de agenda. Eu resolvi: esse ano eu vou ser popular. E foi assim, na fração de um segundo, que eu decidi mudar drasticamente pela primeira vez.
De E.T a cabrita do nordeste
Primeiro dia de aula de 1989. Decida a ser popular, tracei um plano. Não iria mais ser uma CDF sentada na primeira fileira da sala.
Entrei e fui direto para o fundo da sala. A turma da fundão era onde os populares se reuniam. Eu queria ser parte daquela turma.
Avistei o Alexandre Montenegro, que é um dos meus melhores amigos até hoje (beijo Monte!). Quando havia trabalho em grupo geralmente fazíamos juntos. E apesar de ser da turma do fundão, ele tinha um lado nerd e gostava de várias coisas que eu gostava. Fui direto até ele.
“Monte, eu cansei de ser freira. Quero ser da turma do fundão. Agora eu vou sentar aqui com vocês e você vai me ajudar”.
Confesso que não lembro muitos detalhes. Houveram risadas e recusas. Mas sei o resultado. Em pouco tempo, eu era parte da turma do barulho.
Antes do final do ano, ganhei um apelido novo, cabrita do nordeste. Na época a novela Tieta passava na Globo. Em uma das minhas aventuras naquele ano, pulamos a janela da sala para matar aula. Eu fui pega com uma perna apoiada no parapeito dentro da sala e outra perna fora. Literalmente “pega no pulo” pelo inspetor. Resultado: carimbo na caderneta, suspensão e um apelido novo.
Engraçado como até hoje lembro da sensação de vitória, apesar da bronca e castigo depois de ser suspensa. Hoje entendo que aquela sensação era resultado de baixa autoconfiança. Eu só estava tentando chamar atenção.
Autoconfiança e o fenômeno impostor
Hoje, mestre em health psychology, entendo porque é essencial que pais e educadores promovam a autoconfiança de crianças e jovens. A psicologia comprova pelo efeito de pigmaleão, como palavras de incentivo podem afetar positivamente o desempenho das pessoas.
Em 1968, dois psicólogos americanos de Harvard, Rosenthal e Jacobson, conduziram um estudo com crianças de uma escola primária. Eles aplicaram um teste de QI em todos os alunos e depois avisaram aos professores que determinados alunos, tinham QI elevado e certamente se sairiam melhor nos estudos naquele ano. As crianças não souberam de nada.
No final do ano, os psicólogos retornaram para avaliar os resultados. Aquelas crianças, cujos nomes haviam sido listados aos professores como “melhores”, haviam tido um desempenho 20% acima das outras crianças.
Porém, o dado mais relevante do estudo, é que os psicólogos escolheram os nomes dos estudantes de forma aleatória. Os resultados dos testes de QI nunca foram utilizados. A conclusão do estudo foi que os professores tinham uma expectativa de que tais alunos tivessem melhor desempenho.
A atitude e atenção dos professores foi diferente e impactou positivamente o resultado destes alunos.
Já o efeito inverso, chamado de Golem, também já foi estudado e confirmado. Quando temos expectativas negativas acerca do desempenho de alguém, isso impacta negativamente nos resultados (e também a autoestima) destas pessoas.
Você pode ter ouvido falar sobre o efeito Golem com o termo “profecia autorrealizável”.
“A profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira”. (Robert K. Merton, Sociólogo)
Se você, assim como eu, foi um bom aluno na época escolar, é bem provável que sua autoconfiança não tenha sido das melhores.
Meus pais exaltavam meus feitos. Havia aquela certeza de que eu sempre iria tirar nota alta. Eu internalizei aquelas expectativas e sempre tive um excesso de autocobrança. Isso refletiu em vários setores da minha vida e culminou em crises de ansiedade e pânico (falarei sobre isso em uma edição futura).
A psicologia estuda o chamado efeito impostor, um fenômeno psicológico que afeta pessoas de alta performance que também possuem traços psicológicos de perfeccionismo e autocobrança. No mestrado aprendi que devemos chamar de efeito e não de síndrome, pois não é uma doença.
O fenômeno foi descrito pela primeira vez pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes, em 1978 em um estudo sobre mulheres de alta performance.
De 1978 até hoje o fenômeno foi muito pesquisado. Sinto informar que é senso comum e resultado das pesquisas, o fato de mulheres serem mais afetadas por este fenômeno psicológico. Especialmente as que se encontram entre 30 e 39 anos de idade.
Não há uma explicação que seja consenso na comunidade científica sobre porquê mulheres sofrem mais com isso. As teorias mais aceitas falam de traços psicológicos e questões estruturais da nossa sociedade.
Segundo a Dra Pauline, pessoas afetadas pelo fenômeno costumam apresentar os quatro P's abaixo:
(1) Perfeccionismo
Hoje já sabemos que perfeccionismo não é uma qualidade e sim uma armadilha. Pessoas perfeccionistas são menos realizadoras e costumam apresentar uma prevalência maior de ansiedade que a média da população.
O perfeccionismo leva a um excesso de preparação e falta de execução, pois estas pessoas têm dificuldades em ver erros como fonte de aprendizado.
(2) Paralisia
Pelo medo de errar e serem julgadas, pessoas acometidas pelo fenômeno acabam “travando”. Muitas vezes existe a sensação de que se está onde está (ex: posição de trabalho), somente por sorte ou favorecimento e não por mérito próprio.
(3) People-Pleasing (necessidade de agradar)
A necessidade extrema de agradar os outros pode muitas vezes fazer com que a pessoa se sinta uma fraude. Essa característica se apresenta através do excesso de desculpas e dificuldades em traçar limites. Isso faz com que a pessoa tenha dificuldades em se destacar, pois, isso a torna diferente e poderia desagradar alguém.
(4) Procrastinação (necessidade de agradar aos outros)
Todos procrastinamos. Porém, quando a procrastinação é o “modo operante” padrão, é um sinal de alerta. Na maioria dos casos, procrastinar está associado a medos e bloqueios sobre nossos resultados.
Aceitando o meu valor
Individuação é o mesmo que processo de autoconhecimento. Como juntar todas as partes de um grande quebra-cabeças. Mas neste caso, o quebra-cabeças somos nós mesmos. A dificuldade é que a maior parte das peças está em uma área não muito acessível: o nosso inconsciente.
Existem várias formas de acessar os conteúdos do nosso inconsciente. Através de análise, terapias diversas ou sonhos.
A minha forma preferida é fazendo análise, religiosamente uma vez por semana. Outras maneiras são registrando todos os meus sonhos e estudando meu mapa astral. Em uma futura edição desta newsletter, explicarei mais sobre o que é um mapa astral, representado por esta figura cheia de riscos e símbolos:
Meu Mapa Astral Natal
Hoje tenho plena consciência de que sou uma bruxa cientista. E gosto de todas essas partes que me fazem ser quem eu sou.
Nunca é tarde demais
Apesar de estudar astrologia desde a adolescência, a chave na minha cabeça só virou em 2009, deitada em uma cama de hospital.
Em maio de 2009 eu passei por uma histerectomia (cirurgia de retirada do útero). Para mim, que sempre quis ser mãe de vários filhos, foi como se estivessem me condenando a morte. E uma parte minha morreu quando vi minha saúde chegar aquele ponto.
Eu tenho uma doença crônica incurável chamada endometriose. Devido a ela, eu tive muita dificuldade em engravidar e perdi três gestações (minhas estrelinhas).
Nesta época eu tinha a vida perfeita aos olhos de todos, menos aos meus. Executiva de uma grande multinacional, alto salário, viajava o mundo todo a trabalho. Gerenciava contas multimilionárias e assinava contratos com gigantes corporativos como por exemplo, a Coca-Cola.
Minha vida pessoal era um caos. Me sentia uma péssima mãe. Não era presente o suficiente. Meu casamento estava acabando e considerávamos o divórcio seriamente. Quando acordei depois da cirurgia, lembro de dizer para meu marido: eu preciso mudar de vida. Eu vou sair da Novozymes.
Ele não me levou muito a sério, mas após me recuperar, busquei um coach, uma psicóloga, um personal trainer e tracei meu plano de mudança de vida. Não foi imediato. Só saí do corporativo em 2015. Mas mudei completamente durante estes anos.
A maior mudança é que peguei meu mapa astral e passei a usar-lo como guia para a transformação que eu desejava fazer.
Alguns dos maiores aprendizados sobre a minha transição de carreira foram:
Não hesite em pedir ajuda. Você pode chegar onde deseja sozinha, mas chegará bem mais rápido acompanhada.
Não espero o momento certo. Ele nunca vai chegar. Decida e entre em ação. O caminho vai se construindo conforme você caminha.
Mais crítico que a velocidade é a direção. Eu não sabia o que iria fazer quando saí do corporativo, mas sabia que a direção era comunicar e ensinar (o arquétipo de Gêmeos no meu Meio do Céu, ponto do mapa astral que é o nosso rumo).
Perdi a conta de quantas pessoas já atendi desde que mudei de carreira. Apesar disso, posso afirmar que a maioria busca uma mudança de vida, mas acha que está “tarde demais”.
Tarde demais é uma crença, uma questão de falta de referências. Se buscarmos com atenção, veremos exemplos de pessoas que fizeram mudanças radicais de vida ou carreira, após os trinta anos de idade.
Alguns exemplos famosos são:
José Saramago. Escritor de um dos meus livros favoritos, o Ensaio sobre a Cegueira, Saramago não fez sucesso como escritor até publicar o livro Memorial do Convento, em 1982, aos 60 anos de idade. Foi só a partir dos 53 anos que ele se dedicou exclusivamente à literatura.
Viola Davis. A premiada atriz americana fez seu primeiro filme de sucesso, Dúvida, aos 45 anos, onde contracenou com Meryl Streep.
Harrison Ford. Se você gosta de ficção e é fã de Star Wars como eu, já sabe que o ator americano Harrison Ford tinha 35 anos quando conseguiu o papel de Hans Solo em Star Wars, seu primeiro papel de destaque.
John Pemberton. Aos 55 anos, este farmacêutico criou um dos produtos mais famosos do mundo, a Coca-Cola. Originalmente, o refrigerante foi inventado para ser um xarope para tosse!
“Não compare o palco dos outros com os seus bastidores”
Eu deixei o mundo corporativo para empreender em 2015. Contudo, eu não comecei a empreender naquele ano. Minha jornada começou ainda na adolescência, quando atendi profissionalmente como astróloga pela primeira vez.
Faz pouco tempo que entendi que ter uma ideia e vender-la é bem diferente de ter uma empresa.
Eu já havia sido remunerada por várias atividades informais como vendedora de Natura, Avon, semi-joias e professora particular. Nada disso havia sido realmente empreender.
Eu comecei a empreender de verdade no dia 4 de Abril de 2014 quando recebi o número do meu CNPJ. É o mesmo até hoje. Mas minha empresa já passou por inúmeras mudanças desde que foi inaugurada.
Já foi uma loja de “muambas” importadas (legalmente, claro!). Depois virou uma loja online de produtos de scrapbooking até fevereiro de 2016. E desde 2016 que atuo com consultorias e cursos.
A astrologia só foi promovida ao carro chefe da minha empresa em 2020, quando vendi meu primeiro curso gravado online.
Eu estaria mentindo se dissesse que aquela menina perdida lá de 1989, que começou a estudar astrologia um ano antes, acreditava que um dia teria a carreira que tem.
Minha carreira de empreendedora no ramo de educação digital não é tão extensa. Minha loja virtual abriu em 2014, mas o primeiro curso gravado foi vendido somente em 2020.
Seis anos que separam uma data da outra. Neste período, investi mais de cem mil reais em cursos e mentorias. Certamente muito mais. Aprendi e errei muito. Testei de tudo um pouco. Tive vários mentores, tive ideias roubadas, projetos que nunca decolaram e pensei em desistir mais vezes do que posso me lembrar.
Eu (ainda) não tenho uma empresa milionária. Apesar disso, olho para a minha jornada e como Renato Russo cantava no meu walkman em 1989, penso:
“Ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo. Ah, eu dizia: Ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo.”
Minha hora vai chegar. Mas dessa vez eu não vou precisar pular uma janela nem ser algo que não sou. Hoje já integrei algumas partes essenciais sobre quem sou. Me assumi como uma bruxa cientista e reconheço a minha história e o meu valor.
“Brilho no olho não dá para fingir.” Minhas alunas já me ouviram falar essa frase algumas vezes, está no meu livro Mulher de Fases.
Na próxima edição (02/100)
Como saber qual é o meu propósito de vida?
O que eu fiz para publicar meu livro sozinha em menos de 90 dias?
Como uma aposta dos anos 80 se transformou em mais de meio milhão de reais?
Na próxima edição 02/100 vamos conversar sobre propósito de vida e sonhos. Também vou te explicar porque eu acredito que brilho no olho não dá para fingir e como esse lema me move diariamente.
Até a próxima edição da Bruxa Cientista.
Sobre a Newsletter Bruxa Cientista
Escrita por Fabi Ormerod partilha reflexões e experiências sobre: Mentalidade, o Mundo Concreto e o Mundo Sutil.
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